Olá “chefinha”. Espero que esteja tudo bem aí por casa e que na escola o trabalho não esteja a ser muito penoso.
Estive a ver umas fotos antigas que tinha aqui no computador e a procurar umas fotos da minha Miquinhas. Não és tu uma das que diz que a minha gatinha tem uma sorte fenomenal? Eu própria o digo! Que vidinha santa! Sabes que me contactaram de Pequim e a empresa que tratou da mudança dela para aqui está a criar um calendário para 2019 e querem umas fotos. Já viste a minha Micas? Além de viajada, vai virar modelito de calendário!!!
Olhar para algumas fotos de Portugal e da China deu-me umas saudades imensas. Tu bem sabes o quão grata estou pela vida que levo e que não me queixo mas há dias em que as saudades são inevitáveis. Hoje tive um desses momentos. Até do frio eu tive saudades. De usar um cachecol, um gorro ou um casaco quentinho. De aquecer as mãos com uma chávena de cappuccino bem quente ou sentir o vento gelado a bater na cara…
As pessoas vêm as publicações que vou fazendo aqui e aparentemente é tudo muito caótico mas também espetacular. Não é só o trânsito que é caótico. A poluição afeta-me quase tanto como me afetava em Pequim mas é, sobretudo, o lixo nas ruas e em cada esquina, a desorganização total, a falta de saneamento, a falta de limpeza, os canais completamente poluídos…tudo isso me afeta, claro. No entanto, é a falta de passeios e de parques que realmente me faz sentir falta de Pequim. Aqui as zonas pedonais são praticamente inexistentes – roubadas pelos esgotos a céu aberto e ocupadas por carros e motos que surgem de todos os lados; os pouquíssimos parques que existem são pequenos, mal aproveitados pela população e super longe de minha casa. Saudades de calcorrear os parques de Pequim mesmo em dias carregados de poluição, ouvir os cânticos dos idosos, observar os grupos que jogavam às cartas, ver os praticantes de tai-chi ou simplesmente pensar na vida e tirar fotografias.
Aqui tenho o motorista que me leva a todo o lado, a empregada que me limpa tudo e me retira quase todo o trabalho doméstico, os salões de beleza com preços bem mais acessíveis do que em Pequim, shoppings por todo o lado e toda uma panóplia de atividades para escolher e que, se quiser, me conseguem manter ocupada todo o dia. Acho que em Jacarta uma bela parte da população estrangeira feminina corre sérios riscos de virar princesa. Eu, particularmente, gosto de lhe chamar “dondoca” mas acho que ainda não atingi esse nível. Para chegar a esse patamar supremo falta-me ter alguém que me cozinhe todas as refeições, uma empregada a tempo inteiro, falta-me deixar de ir levar e buscar os miúdos à escola todos os dias, falta-me andar de carro no banco de trás e não mexer nem o dedo mindinho cá em casa. Felizmente que não sou dessas dondocas e faço questão de me manter fiel à minha pessoa. Devo ser, muito provavelmente, a única estrangeira que segue viagem ao lado do motorista. Ainda não vi mais nenhuma que o fizesse e já me apontaram o dedo para tal “insubordinação” da minha parte. Acho que até o Pak Hari estranhou no início mas agora já se habituou à minha presença ali ao lado, às minhas mil e uma perguntas sobre a cidade, a língua e a cultura. A Rini também já se vai habituando a ver-me fazer coisas cá em casa mesmo que ainda me diga constantemente: “It’s ok Miss, Rini can do!”. Também não sou daquelas que passa a vida nos shoppings, até porque as coisas são mais caras aqui do que em Portugal. Continuo a fazer compras com o telemóvel na mão para verificar se os preços são aceitáveis ou não, continuo a cozinhar todos os dias. Continuo a ensinar os meus filhos e a relembrar-lhes todos os dias que esta vida que aqui levamos é passageira e que o comum dos mortais não tem as oportunidades que eles estão a ter; que devem ser humildes e gratos por terem quem nos ajude no dia-a-dia; que devem ser respeitadores e que todos os dias devem cumprir as suas tarefas de casa sem recorrer aos empregados. Fico feliz por ver que o meu mais velho repara em certas coisas e se sente escandalizado como no outro dia quando estávamos a chegar à escola e viu um miúdo deixar cair lixo para o chão, não o ter apanhado e ter sido a empregada a fazê-lo por ele. Humildade, gratidão e fidelidade aos nossos princípios, à nossa educação e às nossas raízes. Parece-me a lição mais importante a reter destes primeiros dois meses em Jacarta.
Chega de falar de mim. E tu? Como estão as coisas pela escola? Contrataram mais colegas ou continuam a ser 3 a dar conta de uma população de alunos com Necessidades Educativas Especiais sempre em crescimento? Há dias havia uma grande polémica por causa dos vencimentos dos professores. Bem me lembro de quanto ganhava em relação a ti, eu uma catraia inexperiente ao teu lado, sem cargos e sem responsabilidades maiores. Não era eu que ganhava mal, eras tu, ÉS TU, que ganhas muito mal e que és desvalorizada nas tuas capacidades, no teu empenho e na tua dedicação constante ao longo de décadas. Tu e todos que continuam a insistir nessa profissão. Não é uma vida miserável mas é uma vida de trabalho mal pago, de desvalorização profissional e social ao mesmo tempo que meia dúzia no poleiro goza com o “zé povinho” e a sua triste condição. Sejam estes que lá estão, os outros que lá estiveram ou os que estarão para vir…é a dura realidade de um país de brandos costumes, habituado a conformar-se com a sua condição de remediado. Muito haveria para dizer sobre isto mas aguardo o nosso próximo encontro em Portugal com a Helena e a Antónia para podermos degustar um belo jantar na Póvoa enquanto dizemos mal do sistema, das direções das escolas, de alguns colegas preguiçosos e brindamos à amizade e a um futuro melhor para os nossos filhos.
Eu sei que te prometi um tour pela casa mas para hoje só te consigo mostrar alguns pormenores para aguçar o apetite. Uma beijoca para ti e para o pessoal da escola que ainda se lembra de mim. Vai mandando as tuas bocas às minhas fotos de “meter nojo”, sabes que muitas delas já publico a pensar na tua reação! Muita força e coragem para mais este ano letivo que só agora começou.
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