O terceiro e mais curto capítulo da Saga Indonésia chega ao fim muito brevemente. Uma saga que supostamente duraria 4 anos mas que foi interrompida a meio. Dois anos e uns meses de aventuras na terra das mil ilhas (por acaso são milhares de ilhas), muitas viagens pelo meio, a descoberta de uma cultura fascinante, novos amigos, novos desafios linguísticos, a aprendizagem de um novo passatempo, desilusões, brindes à amizade e à vida, noites mal dormidas, felicidade imensa, saudades e momentos menos bons. Houve tempo para tudo isto e muito mais.
A quem me pergunta se tenho pena de me ir embora: não…e sim!
Eu passo a explicar. A vida é um suceder de ciclos e acredito que está na hora de encerrar o ciclo asiático. Deixo a Ásia com pena de não ter explorado mais nem de ter conhecido alguns países que ficam por conhecer, saio com pena da casa que deixo para trás (a maior e melhor casa onde vivi até hoje), com muita tristeza deixo uma escola espetacular para trás onde sei que os meus filhos são muito felizes. Por outro lado, acredito em recomeços, acredito que o futuro nos reserva sempre surpresas, desafios e coloca à prova a nossa capacidade de adaptação. Se o Peru surgiu como hipótese na nossa vida, então temos que abraçar esse novo desafio. E, na verdade, não é assim tão difícil de avançar. Explorar e viver na América do Sul é um sonho nosso (bem, pelo menos dos graúdos), em Lima também há escolas muito boas, o Perú também é terra de contrastes e beleza natural e o desafio linguístico até será menor.
Na verdade, e para ser totalmente honesta, viver em Jacarta é um daqueles casos ambíguos. Normalmente ou se gosta muito ou se detesta. Conheço gente que adora cá viver, que não se imagina a viver em mais lado nenhum. Vivem cá há mais de uma década, alguns há duas ou mais. São pessoas que adoram a vida glamorosa de quem tem empregados para tudo, motoristas que os levam a todo o lado, cuja vida lhes é apresentada numa bandeja dourada. Uma vida de príncipes e princesas que quem me conhece bem sabe que não me assenta. E depois conheço outras que de bom grado partiriam já amanhã. Pessoas que não conseguem desviar o olhar da pobreza, da sujidade, do caos em que esta cidade está mergulhada. A “bolha” em que vivemos não nos protege de tudo e, sinceramente, nem quero que o faça.
Jacarta é esgotos a céu aberto em vez de passeios para peões, é poluição com níveis alarmantes, é trânsito infernal, é ir ao supermercado e trazer ovos podres e galinhas com larvas, é acordar às 4 da madrugada com a chamada para rezar, são os frequentes avistamentos de ratazanas, os mosquitos que não nos largam, condutores que não sabem conduzir, regras de trânsito que são ignoradas, mil e um centros comerciais mas a (quase) total ausência de parques. Jacarta não é uma cidade bonita e não vai deixar saudades, mas o país é lindo e merece ser visitado. Jacarta é caos de cidade à beira da rotura mas aqui vivi belos momentos e fiz belas amizades. São esses momentos que vão ficar no coração e que vou guardar carinhosamente.
Vamos então mudar de cidade, de país, de continente…novamente. Vamos fazer os miúdos passar por mais um período de adaptação: novo país, nova casa, nova escola, novos amigos. Alguns dirão que é uma carga emocional demasiado pesada para eles, outros dirão que têm um poder de adaptação extraordinário e que só lhes faz bem. A verdade é que as mesmas dúvidas me assolam várias vezes... às vezes várias vezes ao dia! Mudar do conforto do conhecido para o desconhecido outra e outra e outra vez, impossibilitá-los de ter a estabilidade de uma casa, uma escola, uma família alargada, uma comunidade de amigos, um país. Mas todas estas dúvidas acabam por não fazer muito sentido. Nós conhecemos os filhos que temos, sabemos quem somos e de que fibra somos feitos. Em última instância não é o lugar onde estamos ou para onde vamos que nos define mas sim quem somos, a nossa coragem, resiliência e vontade de sermos felizes em família e juntos conhecermos o mundo.
No final de contas, o senhor Ernie Harwell é que tinha razão: “It’s time to say goodbye, but I think goodbyes are sad and I’d much rather say hello. Hello to a new adventure.”
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