Querida Mi:
Este texto é inteirinho para ti e só lamento não te ter dito mais vezes o quanto te admirava e o quanto gostava de ti. Damos a vida por certa e não pensamos que num abrir e fechar de olhos tudo muda.
Quando te conheci em 2004 era uma jovem cheia de sonhos a trabalhar na sua primeira escola em Portugal. Escola inserida num bairro complicado, poucos recursos escolares, alunos desinteressados, colegas desmotivados…tu deste-me a mão desde aquele primeiro dia, guiaste-me pelos meandros das secretarias escolares, abriste-me os olhos para muita injustiça, deste-me força e ânimo. Contigo aprendi muito. Contigo fiz muitas noites no “bairro dos ciganos de Balteiro” a dar aulas aos adultos. Íamos para a cantina jantar com eles, íamos ao portão da escola chamá-los para as aulas, éramos as profs fixes, confidentes e tratávamos todos por igual: a avó Maria de quase 60 que orgulhosamente nos mostrava fotos dos netinhos ou a jovem de 15 anos que trazia consigo o filho de ano e meio. E éramos tratadas com respeito…sempre. Contigo trabalhei apenas um ano mas foram meses tão intensos que depressa o companheirismo de colegas de profissão passou a amizade. Saímos das aulas às 23h e muitas vezes íamos para casa conversar ao telefone até às tantas. Discutíamos estratégias, planos de aula, a vida, etc.
Numa sardinhada promovida pela escola, no final do ano letivo, o meu conheceu o teu e desde aí passámos a ser 4 amigos, dois casais que sempre se deram super bem. Quando decidimos casar a decisão de escolher padrinhos pareceu-nos óbvia. Vocês eram a escolha perfeita.
Em 16 anos vivemos muitas peripécias. Lembro com carinho e saudade os nossos jantares no chinês, os “lanches” de mesa farta na vossa casa, os planos partilhados, o futuro delineado, as aventuras e desventuras…até mesmo a grande viagem que tínhamos programado para este ano. Íamos finalmente fazer férias juntos, mostrar-vos a beleza da Indonésia. Houve sempre tempo para vos vermos, todos os anos fizemos questão de estar convosco…mas não sonhei que afinal a grande viagem deste ano maldito te ia levar, irremediavelmente, para longe de nós.
Recordo-te como uma mulher lutadora, honesta, carinhosa, altruísta, sofredora. Na tua dor, na tua perda, na tua tristeza conseguiste sempre dar a mão aos teus, conseguiste transmitir-lhes força, mostraste sempre a tua fibra, a tua garra, os teus princípios. Mesmo cansada, mesmo desiludida com o ensino, mesmo preocupada com a tua saúde, estiveste sempre ao teu mais alto nível, ajudaste sempre os teus alunos. Quando te puseram a dar apoio aos meninos da Educação Especial, ligaste-me. Pediste-me conselhos, não querias falhar. Tenho a certeza que foste um ser especial para todos eles, assim como foste para todos que contigo cruzaram e que agora sentem tanto a tua falta.
Os nossos filhos foram criados a ver a Mi e o Pi como família porque foi sempre assim que vos vimos também. Aí, onde estás, sei que estás a olhar pelo teu grande amor, sei que estás a olhar por todos os que aqui ficámos a chorar a tua partida tão injusta e prematura. Eu sei que vou continuar a dar-te notícias nossas. Vou simular as nossas conversas ao telefone, contar-te as nossas peripécias…nem te contei que vamos para o Peru. Parece que estou a ouvir-te dizer: “Ó menina, então vais para o Peru?”. Vou contar-te tudo porque aqueles de quem gostamos nunca morrem, nunca desaparecem, ficam para sempre a habitar o nosso coração. Por isso, para onde quer que eu vá, irás connosco. E podes estar descansada…o teu Pi estará sempre connosco também. Olha por ele aí que não falta quem olhe por ele aqui.
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